Preconceito e discriminação
Do preconceito à discriminação justificada
por Cícero Roberto Pereira e Jorge Vala no Número 2-3/2010
Um dos grandes paradoxos nas sociedades que têm
definido o valor da igualdade como um dos seus princípios organizadores é
a permanência de discriminação objectiva contra grupos minoritários
mesmo tendo estas sociedades instituído normas sociais, orientações
constitucionais e procedimentos jurídicos que condenam firmemente a
expressão de preconceito e atitudes racistas. Como as pessoas (e também
as instituições democráticas) discriminam outras pessoas percebidas como
pertencentes a grupos diferentes sem serem acusadas de preconceito? Uma
possibilidade pode estar no facto do actor da acção discriminatória
usar alguma estratégia que lhe permite discriminar sem ser socialmente
condenado. Por exemplo, pouca gente se organizaria ou mesmo participaria
numa manifestação pública contra a imigração fundamentando a sua acção
na ideia de que os imigrantes são inferiores ou vêem de uma cultura
inferior, pois, se assim o fizesse, certamente estaria sujeita à
condenação social. Contudo, qualquer pessoa pode demostrar publicamente a
sua oposição à imigração, ou mesmo organizar e participar em
manifestações anti-imigração, sem correr o risco de ser acusada de
preconceito ou racismo. Normalmente, as pessoas expressam a sua oposição
à imigração com base no argumento de que os imigrantes representam uma
ameaça ao bem-estar económico da sociedade de acolhimento, podem
contribuir para o aumento da criminalidade e para o enfraquecimento da
identidade cultural desta sociedade.
Cícero PereiraCícero Roberto
Pereira, psicólogo social pela Universidade Federal da Paraíba e doutor
em Psicologia Social pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e
da Empresa. Actualmente é investigador auxiliar no Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa, onde estuda o papel da legitimação
da discriminação no âmbito das relações sociais decorrentes de processos
migratórios em diferentes contextos normativos. Estuda também a
aplicação de procedimentos estatísticos à teoria da medida e ao teste de
modelos teóricos em Ciências Sociais. E cicero.pereira@ics.ul.pt
Neste exemplo, actos discriminatórios como o apoio a políticas
discriminatórias contra imigrantes seriam interpretados como
discriminação justificada (i.e., a discriminação sem preconceito). O
problema coloca-se quando o recurso às justificações é visto ou sentido
como sendo motivado pelo preconceito. Neste caso, o uso de justificações
socialmente percebidas como legítimas pode ser o mecanismo encontrado
pelo pensamento preconceituoso para legitimar a discriminação em
sociedades e contextos igualitários. Seguindo este raciocínio,
apresentamos aqui argumentos teóricos e evidência empírica que mostram a
actuação deste mecanismo na expressão de comportamentos
discriminatórios. Analisamos, com especial atenção, a forma como o apoio
a políticas discriminatórias contra imigrantes na Europa vem sendo
legitimado.
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